Pérolas, momentos, delírios – são consequências de um feriado que chega também ao mundo dos blogues. Vale a pena, no entanto, recuperar dois posts que marcam a diferença – como é o caso daquele que Nuno Miguel Guedes escreve no Sinusite Crónica sobre o Carnaval. Depois de confessar o seu ódio ao evento, diz: “não compreendo a efeméride e isso irrita-me. Os meus amigos mais lidos e carnavalescos recordam-me a origem da coisa, o adeus aos prazeres terrenos antes do início da penitência da Quaresma. Ora eu não sou nada insensível aos prazeres terrenos: mas ver isso traduzido por roliças moças da Mealhada ou matrafonas de Torres Vedras é coisa que me ultrapassa. (...) Como último recurso os mais viajados descrevem o esplendor do Carnaval do Rio, a loucura orgástica de Salvador da Bahia, as mulheres lindíssimas e alegremente acessíveis que pululam nesses lugares. Erro deles. Sou um tipo antiquado, que acredita nos velhos rituais da sedução: uma mulher bem vestida, um bom vinho, um restaurante simpático, uma conversa estimulante. E assim de repente não estou a ver como poderia fazer isso mesmo com a mais deslumbrante das mulheres se ela estivesse vestida apenas com plumas a sair do traseiro. Chamem-me romântico”.
Digo-vos: a crónica de Nuno é notável e termina assim: “Até o provérbio «A vida são dois dias, o Carnaval são três» me parece ter sido escrito por Camus, como epígrafe para O Homem Revoltado e denunciador do ser humano abandonado a si mesmo, sem divindade que lhe valha. E é pensando na palidez da condição humana que me sento enquanto vejo uma mulher lindíssima a sorrir para mim, plumas saindo-lhe do traseiro”.
Noutro registo, noutro sentido, excelente também o longo post, muito bem ilustrado, de Pedro Correia no blog Delito de Opinião. Na ressaca dos Óscares, o jornalista revisita a Lisboa cinéfila de outros tempos com fotografias de época: “Percorro ruas e avenidas de Lisboa e vou-me lembrando dos cinemas que existiam ainda não há muitos anos espalhados pela cidade. Quase todos desapareceram já, devorados pelos novos hábitos de consumo, que nos mandam recolher a casa e olharmos a vida e os filmes pelo quadradinho da televisão”. Com este ponto de partida, recupera o Berna, o Satélite, o Monumental, o Apolo 70. Mas também o Império, o Camões, o Caleidoscópio, o Estúdio, o Terminal. Enfim, a lista é interminável e de todas as salas sai memória, saem filmes, e muitas daquelas associações são as mesmas que eu faço, que o ouvinte lisboeta faz, quando se lembra dos nomes daqueles cinemas. Remata Pedro Correia: “Lisboa é uma cidade que preserva mal a sua memória. E que parece ter deixado de gostar de cinema. Agora o que está a dar são as pipocas”.
Assim, entre um Carnaval indesejado e o passado que se revisita, uma união de facto entre dois textos a um tempo conservadores, porém muitíssimo bem escritos e cuja leitura constitui um prazer num momento de pausa para todos. Uma pausa também para a polémica, o debate fracturante, a actualidade politica. Hoje volta tudo à normalidade – e amanhã cá estarei para abrir essa Janela...