Às vezes encontro textos, documentos, no mundo dos blogues, que por si só constituem uma crónica inteira. Pela actualidade, ou pelo valor da descoberta, vale a pena gastar algum tempo com este, intitulado “Antevisões do «moto-contínuo» (ou bloguismo)”,
Trata-se da reprodução de um texto publicado em 1868 no Jornal do Comércio sobre o jornalismo do futuro. Alguns momentos:
«Considerando no que é hoje, observando as suas tendências, pode conjecturar-se, aproximadamente, o que virá a ser. Um curioso aprofundou esta questão e lisonjeia-se de ter descoberto, com plausibilidade, as condições em que há-de achar-se o jornalismo no ano 2000. Há fome e sede de notícias: todos querem saber tudo (...), a máquina reproduz em minutos o pensamento, para ser transmitido a todos os pontos da terra, e já não é só a máquina para estampar o jornal, é também a máquina para compor; inventou-se o tipógrafo-máquina e deve esperar-se, portanto, que venha a idear-se o redactor-máquina. O jornal é hoje diário e o mais é que chega a reproduzir a mesma folha em duas ou três edições, com alguns aditamentos ou notícias. Isto será atraso e fossilismo no ano 2000. Daqui a 50 anos, os jornais publicarão uma folha, inteiramente nova, de hora a hora, e, daqui a 100 anos, de minuto a minuto, de instante a instante. Será um moto-contínuo e ainda não satisfará a curiosidade pública. Cada cidadão fará um jornal: o artigo de fundo constará sempre das notícias da sua vida pública e íntima”.
O artigo é notável porque até fala da possível falta de papel e antecipa a reciclagem: “assim como o jornal é instantâneo, instantânea há-de ser a leitura; e o papel vai, minutos depois de lido, para a fábrica, a fim de se reproduzir”.
A Internet e o mail são adivinhados: “O telégrafo eléctrico generalizar-se-á, cada cidadão terá o seu telégrafo em correspondência mútua, de maneira que em um minuto se saberá o que se passa nos pontos mais afastados e, em Lisboa, se poderá saber, de instante a instante, até à vida caseira do mais boçal esquimó; com o que os povos hão-de folgar, deleitar-se e instruir-se”.
Estamos realmente perante uma notável capacidade de antecipação, 1868 foi há 140 anos. Impressionante.
Mas no melhor pano cai a nódoa e no final do artigo, o autor do século XIX acaba por não adivinhar em rigor como é a vida nos dias de hoje. Escreve ele: “Mas como é de crer que no ano 2000 já exista a paz universal e a união entre todos os homens, acabará a política, os governos governarão sempre conforme… à nossa vontade, portanto, serão inúteis os jornais políticos; não haverá, pois, nem turibulários, nem oposicionistas; todos serão amigos e distintíssimos cavalheiros, unidos no pensamento comum de amarem a sua pátria. Assim seja.»
Pois bem: assim não foi, assim não é. Mas ainda assim, esta é uma belíssima descoberta de Gabriel Silva no Blasfémias que por sí só vale um dia no mundo dos blogues...