Hesitei antes de o escolher, deixei passar algumas semanas, no fundo queria perceber até que ponto estamos perante um blog. Mas acho por fim que este Caderno de Saramago é um blog. É o de José saramago, escritor e Nobel, que conta de forma simples a história de quando, nos idos de 90, se instalou com a mulher em Lanzarote, e os cunhados lhe oferecerem, cito, “um caderno que deveria servir de registo dos nossos dias canários. Punham uma só condição: que de vez em quando fizesse menção das suas pessoas. Nunca escrevi nada no tal caderno, mas foi desta maneira, e não por outras vias, que nasceram os Cadernos de Lanzarote, que durante cinco anos veriam a luz. Hoje, sem esperar, encontro-me numa situação parecida. Desta vez, porém, as causas motoras são Pilar, Sérgio e Javier, que se ocupam do blog. Disseram-me que reservaram para mim um espaço no blog e que devo escrever para ele, o que for, comentários, reflexões, simples opiniões sobre isto e aquilo, enfim, o que vier a talhe de foice. Muito mais disciplinado do que frequentemente pareço, respondi-lhes que sim, senhor, que o faria desde que não me fosse exigida para este Caderno a assiduidade que a mim mesmo havia imposto nos outros. Portanto, pelo que isso possa valer, contem comigo”.
E na verdade, com frequência, ali está o escritor reflectido, os seus pensamentos, as suas ideias – nuns dias com maior actualidade, noutros dias sem actualidade alguma. Esta semana, por exemplo, encontrei lá uma análise à escrita de Chico Buarque de Holanda no livro já com algum tempo, Budapeste. Pelos vistos, o livro mexeu com o escritor, e o elogio é rasgado:”Chico Buarque ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame, e chegou ao outro lado. Ao lado onde se encontram os trabalhos executados com mestria, a da linguagem, a da construção narrativa, a do simples fazer. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro”.
Mas no Caderno de Saramago também há política, quando por exemplo diz que os gestores responsáveis pela actual crise económica são “criminosos (...) conhecidos, têm nomes e apelidos, (...) e tão seguros de si mesmos que nem sequer pensaram em esconder-se. São fáceis de apanhar”. Pergunta: “Quem se atreve a levar este gang aos tribunais? Ainda que não o consiga, todos lhe ficaremos agradecidos. Será sinal de que nem tudo está perdido para as pessoas honestas”.
O blog não tem comentários dos leitores, o que é pena, tem um design modesto, simples, mas é efectivamente o blog de um grande escritor. Em dois meses já lá publicou mais de 25 textos. Quem o quiser seguir é só ir ao endereço caderno.josesaramago.org. Podemos amar ou odiar, podemos concordar ou discordar, mas é sempre bom ler quem sabe escrever e pensar. É o caso – e é muito por isso que constitui a minha escolha desta semana.